Tragicômica vida de pianista chinfrim ilustra solo de Marcelo Serrado

Sob a direção de Otavio Müller, "Não existe mulher difícil" faz temporada no Teatro Amil
















Quando o ator Marcelo Serrado chegou à sala de ensaios e contou a tragicômica história de um pianista chinfrim daquelas churrascarias à beira de estrada, o diretor não teve dúvida. Estaria ali, naquele depoimento verídico, a espinha dorsal do espetáculo em processo: "Não existe mulher difícil". Otávio Müller, o responsável pela direção, repete o que escutou: "Foi num destes lugares bem vagabundos que um pianista parou o show que fazia para contar aos presentes que estava perdido na vida", lembra Müller. A montagem, em cartaz desde em junho de 2010, faz temporada durante outubro no Teatro Amil do Parque Dom Pedro Shopping, em Campinas.

 
 
A vontade de transformar o livro homônimo em teatro partiu do próprio autor, o publicitário André Aguiar Marques. Depois de assistir ao espetáculo "Decameron: A arte de fornicar" (2009), sob a direção de Müller, Marques fez o convite. O diretor aceitou a proposta como desafio, conta, e na mesma hora elegeu uma dupla para acompanhá-lo: Marcelo Serrado, o intérprete de Clô em "Fina Estampa", e Lúcio Mauro Filho, o Tuco de "A Grande Família". Enquanto o primeiro atuaria, o segundo assinaria a adaptação do espetáculo. "Tornamos uma trinca durante os dois meses de ensaios".
Apesar de plantar raízes no livro de Marques, boa parte dramaturgia da peça brotou dos ensaios. "Tem muitas coisas do Marcelo em cena. Fiz questão de preservar. A própria aptidão dele para cantar e tocar instrumento é uma prova disso", destaca. Se o fato em si faz o texto se aproximar da stand-up comedy, o diretor acredita que não. "É um primo distante", brinca. Pelo contrário, "aquele pianista da churrascaria está ali para contar as suas histórias. Só nisso já tem o formato do monólogo de teatro". Ao ser instigado a responder a questão em que transforma o título da peça em pergunta, Müller provoca: "Pelo contrário, a mulher contemporânea é difícil sim".

 A partir das agruras do músico, que descobre a traição da mulher e resolve desabafar com a plateia, a narrativa do monólogo toca em pontos corriqueiros das conversas de botequins: conquistas, táticas, decepções, entre muitos outros. Mesmo assim, lembra o diretor, o enredo não se transforma num manual à la Don Juan. "É tudo uma brincadeira. Até o drama dele tem humor". A farra dentro cena, provocada pelas inúmeras figuras vivenciadas pelo ator (além do pianista), nasceu no processo de direção. Ao comentá-la, Müller faz analogia a outro trabalho sob sua direção: "Brincando em Cima Daquilo", inspirado no dramaturgo italiano Dario Fo. Como lá, "Marcelo brinca de fazer as personagens. Cabe ao diretor dar contorno às figuras, como a mulher, o amigo, a funkeira...".
Pedir para Müller eleger o ponto predileto do espetáculo aparece como tarefa fácil. A seleção de músicas executada na cena, responde. "O pianista consegue dar continuidade ao seu show. Nisso, ele toca Roberto Carlos, Wando, Falamansa, Exaltasamba", completa. Se bem que, ressalta o diretor, a decisão do público tem peso durante o programa musical da noitada. Os espectadores "podem pedir músicas também. Nesta peça, o contato com a plateia é escancarado".